27.4.06

SACRIFÍCIO


i

A Primavera estava à porta
meti-me pois no elevador até ao último andar
de um dos prédios mais altos da minha cidade
subi ainda umas pequenas escadas em caracol
para o sacrifício anual ao grande e magnânimo Senhor da noite
do néon
construí uma pira com pneus velhos garrafas de plástico no meio de uma floresta de antenas de televisão
reguei tudo com gasolina
ajoelhei-me depois humildemente
Desta vez não é o melhor carneiro do meu rebanho que eu tenho para te oferecer Senhor
(não é nada fácil a vida de um pastor numa paisagem de asfalto)
mas apenas uma galinha de aviário
Espero que as hormonas não te façam mal
Aqui tens também Senhor as primícias das minhas colheitas
um quilo de toda a cera que produzi durante o ano fragmentos de unhas
uma esquadrilha de aviõezinhos de papel...



ii

Faz Senhor com que chova regularmente
para que não desça o nível das águas nas albufeiras e as turbinas das centrais eléctricas não parem
para que o trigo cresça e eu possa florir várias vezes ao ano
para que a erva no pátio dos manicómios se conserve sempre verde
Faz Senhor com que o sol se levante todos os dias às oito em ponto
(não vá ele deixar-se levar pelo meu exemplo e ficar a dormir)
e que o vento sopre de vez em quando em rajadas fortes
de maneira a que não fique nada de pé dentro de mim
Acaba de uma vez por todas Senhor com o conflito que opõe as carpas aos polvos gigantes
Que o facto de seres Deus não te suba à cabeça
A América pensou que era Deus e foi esse o mal
que o digam os milhares de americanos agarrados às cadeiras de rodas nos corredores dos hospitais
Faz Senhor com que Fátima e tudo o que ela representa floresça
Com a escassez de ácidos que se está a fazer sentir é cada vez mais difícil ter alucinações
Passamos a vida a explicar-nos com o pénis Senhor mas o mistério permanece
Faz com que o mistério se resolva
A tua bênção Senhor!



Jorge Sousa Braga

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